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Solstício XIII
A meio do caminho, Eric
pousou o menino no chão. Continuaram devagar, de mãos dadas, em direcção ao
castelo. Punha-se ainda mais frio. O sol tinha brilhado de madrugada, mas
grossas nuvens tinham-no encoberto e agora o céu era apenas um manto cinzento.
O tempo tinha mudado, e Eric pensou nessa ironia. Tanto que aquela gente se
tinha esforçado por dar as boas-vindas ao Sol e já o ingrato lhes falhava.
– Vamos
ao castelo da prima buscar as nossas coisas e vamos para casa. – explicou ao
seu filho. – Sim, estamos sozinhos, mas podia ser pior. Um dia perceberás que
já é uma sorte termo-nos um ao outro. Há quem não tenha ninguém.
O resto
já não disse em voz alta. É claro que aquela gente não vai autorizar este
casamento. Devem estar todos a amaldiçoar-me naquele maldito Conselho, a
envenená-la contra mim! Da maneira que a Hildegaard os ouve, é o fim. É mesmo o
fim. Eric respirou fundo, num suspiro amargo e pesado. Agora é que ela
não vai…
O menino
parou e puxou-lhe pela mão. Na colina que ladeava a vereda verdejante, uma
dúzia de crianças brincava. Crianças de todas as idades, dos pequeninos aos
crescidos que tomavam conta deles. Pequeninos da idade do seu filho.
Eric
sabia porque é que ele olhava. Gostava de brincar com outras crianças, mais do
que gostava de brinquedos. Sempre que podia, Eric tentava arranjar-lhe
amiguinhos. Viajavam tão constantemente que nem sempre os havia disponíveis.
Mas ali estavam, as crianças das Terras Verdes, a quem o Conselho nada
interessava. Hildegaard tinha-lhe dito que já não havia muitas, mas certamente
não podiam ser só aquelas! Corriam e brincavam, nos seus jogos, e o menino
olhava, cheio de vontade de brincar também, e Eric teve uma ideia.
– Já
comeram? – perguntou-lhes. – A minha prima tem uma mesa cheia de guloseimas e
agora que a festa acabou precisamos de ajuda para comer tudo. Alguém quer
guloseimas?
As
crianças entreolharam-se, indecisas, mas apenas um instante. Tão inocentes,
aqueles meninos e meninas das Terras Verdes, não conheciam o perigo de um
estranho. Mal sabiam o que era um estranho, ali tão isolados. Felizmente, o
estranho que os convidava era benévolo, porque imediatamente agradeceram e
correram atrás dele até ao castelo.
Eric
abriu-lhes a porta e apontou-lhes o salão. Todos entraram, aos gritinhos e risos,
e a mesa foi prontamente atacada. O pequeno Eric, entre eles, partilhava o seu
arco com outro menino igualmente curioso. Até já experimentavam usá-lo!
Não
devia estar ninguém no castelo, até os velhos criados se encontrariam no
maldito Conselho, mas Eric não se preocupou. Algumas das crianças eram
crescidas, dos seus onze, doze anos, e podiam olhar pelos mais novos. Com um
sorriso, deixou-os às suas brincadeiras e começou a subir os degraus de pedra até
ao andar superior.
A meio
das escadas, o sorriso desfez-se. O coração afundou-se-lhe, afogado em desânimo,
e uma lágrima traiu-o. A vida recomeçava, nesse dia, e não era bom o que
recomeçava. Esperava-o um casamento, muito em breve, com uma perfeita estranha,
um casamento de tão mau agouro como o tinha sido o dos seus pais. Bem que o
tinha tentado evitar. Hildegaard, surgida na sua vida quando já não a esperava,
tinha sido a resposta a todos os seus anseios. Ou assim o sonhava, mas agora
compreendia. Hildegaard amava a sua liberdade, e jamais lhe pediria que
abdicasse dela. Invejava-a. Porque Eric tinha feito uma escolha, há muitos
anos, e não era livre.
Por um
instante, apenas um instante, passou-lhe pela cabeça pegar na sua trouxa, e no
seu cavalo, e no seu filho, e seguir para norte. Para lá das Terras Verdes,
para lá do reino, para lá do império, e nunca mais aparecer… Mas era loucura. Tinha
havido um momento, sim, para desaparecer, mas tinha feito uma escolha e agora
era tarde. Agora era o momento de desistir, e Eric deixou que outra lágrima lhe
cruzasse o rosto resignado. Tinha feito tudo ao seu alcance mas não tinha sido
suficiente, e aquele sonho acabava ali.
Quando
Hildegaard chegou, não muito depois, Eric já a esperava no salão, em trajes de
viagem e de bagagem arrumada, para se despedir.
Hildegaard
olhou para ele e franziu o sobrolho, e depois contemplou o que tinha acontecido
ali, a sua casa repleta de crianças barulhentas e irrequietas, a comerem tudo o
que havia na mesa.
– Primo,
malvado! – ralhou-lhe, quase a sério. – Os pais deles andam desvairados à
procura dos filhos, está toda a gente ralada porque desapareceram, e
trouxeste-os para aqui?!
– Não
sabia que era preciso permissão. – Eric respondeu, confuso. – Estavam sozinhos.
Só os convidei para comerem o que resta. – e, mais baixinho, admitiu à sua
prima: – E porque o meu filho nunca tem com quem brincar, achei que podia
brincar com eles…
– Nós
brincamos com ele! – prometeu uma menina de longas tranças castanhas, que
disfarçadamente estava a ouvir tudo.
Hildegaard
sorriu-lhe.
– A neta
da Melissen. – apresentou-a ao seu primo.
Eric
olhou melhor a menina esperta e alegre, e sorriu também. Sempre teria boas
notícias para o capitão Lars.
– Então
é melhor mandá-los embora, antes que os pais deles venham pela minha pele! –
gracejou, mas agora era Hildegaard quem seriamente o fitava, olhos nos olhos.
– Ias-te
embora?
– Sim,
eu…
– Ainda
bem que cheguei a tempo. – Hildegaard respondeu, misteriosa, mas o nervosismo
apertou-lhe as mãos uma na outra. Um nervosismo como Eric nunca lhe vira. –
Espero ter chegado a tempo. O Conselho acabou. Tivemos uma votação. Continuo a
ser soberana das Terras Verdes. O meu povo aceita a minha decisão. – e os olhos
verdes brilharam-lhe de lágrimas e alegria. – A minha decisão é sim. Se ainda
venho a tempo.
Eric endireitou
as costas, abalado, e semicerrou os olhos ao indagar os dela, como se lhe
custasse acreditar.
– E a
tua liberdade?…
– Já
tive muita liberdade. – explicou Hildegaard, com um leve aceno. – Tanta
liberdade que se tornou solidão, e a solidão tornou-se agradável. Até tu
chegares. Caso com o homem, não com o imperador. Caso contigo, porque te amo.
Se é que ainda não desististe…
–
Desisti. – Eric confessou, o coração quase a saltar-lhe do peito, e
aproximou-se para lhe tomar o rosto entre as mãos. – Desisti, e estava
infelicíssimo. Mas já não estou!
Esquecido
de tudo, Eric quase a beijava, quando Hildegaard interpôs a mão entre eles,
apontando com a cabeça para as crianças. Não estavam sozinhos. Haveria tempo
para isso mais tarde.
Eric já
não pensava que importasse que todos vissem. Apertou-a contra o peito e Hildegaard
não se afastou daquele abraço. No salão, as crianças já não lhes prestavam atenção
nenhuma, entretidas a correr em roda da mesa. Mas Eric encontrou os olhos do
seu filho, atentos, vigilantes, a espreitar o que se passava. Como se adivinhasse,
o menino sorriu. Eric já sabia que ele aprovaria. Há muito tempo que o ouvia
dizer-lhe, em pensamentos, se acreditasse nessas coisas, que queria a prima com
eles. Eric já nem perdia tempo a questionar o que ouvia do seu filho. Sim,
teriam a prima com eles. Sim, tinham-na conquistado.
E a
vida começa de novo! Eric
recordou, e sorriu.
~§~
SOLSTÍCIO
por d.d. maio
Dezembro 2016
Última actualização: Outubro de 2019
Última actualização: Outubro de 2019
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