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Continua...
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Hildegaard acordou nos
braços do seu primo e levantou a cabeça, sobressaltada. Ainda era noite lá
fora, apenas uma lamparina ardia no quarto. Mais tranquila, voltou a pousar a
cabeça na almofada. Não queria faltar ao ritual da madrugada, nem tinha sido
sua intenção adormecer, mas o sono vencera-a, e o conforto naqueles braços…
Baixinho, a voz no seu íntimo perguntava também: porque não?
Suavemente,
Hildegaard esgueirou-se para fora da cama e o frio no quarto arrepiou-lhe a
pele nua. Depressa, vestiu-se. Era hora de acordar Eric também, mas ele dormia
tão profundamente, tão serenamente.
O
silêncio era completo. Nem os ramos das árvores se ouviam naquela noite sem
vento. Hildegaard aproximou-se da janela e contemplou a escuridão. Nada se via
lá fora, até a lua já se tinha escondido. Era deveras a hora das trevas, a hora
mais escura da noite mais longa. A hora de se recolher dentro de si própria, e
ouvir.
Há mais
de um ano que Eric insistia. Por duas vezes a tinha pedido em casamento, por
duas vezes tinha dito não. Mas nessa noite, naquele quarto, Eric tinha-a olhado
nos olhos, e já não era tão insistente a pergunta: porque não?
– A
minha liberdade. Não quero perder a minha liberdade. – Hildegaard tinha
respondido, e já não era tão convicta a resposta.
Mas algo
tinha acontecido, dessa vez, nos olhos profundos do seu primo. Uma aceitação,
um resignar, um desistir. Eric tinha compreendido, e com um beijo nada mais
disse. Não voltaria a perguntar.
Hildegaard
surpreendeu uma lágrima que lhe escapou pelo rosto abaixo. E agora ele
partiria, e agora diriam adeus, e aquele amor transformar-se-ia em memória. Eric
teria uma vida, lá longe, no reino, mas já não havia vida nas Terras Verdes.
Hildegaard sabia, como todos sabiam, que já não era vida o que os animava. Era
repetição, era vazio, eram como aqueles fantasmas errantes que nem sabiam que
estavam mortos.
Que vida
era aquela, em que não vivia? Que liberdade, em que se aprisionava? Sim, era a
última vez. A última vez que amava, a última vez que escolhia, a última
bifurcação no caminho. O vazio, familiar e seguro, ou o futuro, imprevisível e desconhecido,
que era a vida.
Que
confusão era aquela agora? Hildegaard julgava já ter escolhido. Que indecisão
era aquela, em que sensatez e cobardia se confundiam?
Ao
longe, os cânticos recomeçaram. Uma fila de archotes, na noite escura, já subia
a colina. E tudo era vazio, e tudo tinha perdido o significado.
Hildegaard
sentou-se na cama e gentilmente abanou o seu primo.
–
Acorda. Temos de ir à cerimónia. As Boas-Vindas, a última cerimónia do
Solstício.
– O quê?
– Eric perguntou, esfregando os olhos. – Mas ainda é de noite!
– Já não
será noite por muito tempo. O Sol vai nascer. Vamos dar-lhe as boas-vindas.
Eric
esforçou-se por acordar completamente e soergueu-se da almofada, espantado e
confuso.
– Pensei
que isso tinha sido ontem…
– Não.
Ontem celebrámos a noite, hoje celebramos o dia. Acorda. É a Vigília. Nem
devíamos ter adormecido! – e Hildegaard sorriu, divertida. A última coisa que o
seu primo queria fazer era sair daquela cama, mas corajosamente conformava-se.
– Vou acordar o menino. Quero que ele assista.
Hildegaard
já se levantava, quando Eric lhe pegou no pulso. Completamente acordado, lia-se-lhe
nos olhos que recordava aquele pedaço de noite, aquele pedaço de longínqua
memória que em breve seria o que tinham partilhado naquela cama. Suavemente,
quase numa despedida também, Eric aproximou-se e beijou-a nos lábios. E era só,
e era tudo.
E era o
fim. Amargo e doloroso. Hildegaard sacudiu a cabeça, como se falasse consigo
própria. Era mesmo o que queria para a sua vida, solidão e vazio? No caminho, a
bifurcação fechava-se, fechava-se, e o tempo esgotava-se. No seu íntimo, no seu
coração, teria já escolhido?
–
Apressa-te, não temos muito tempo. – recordou ao seu primo, e saiu do quarto.
Continua...
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