Capítulo I - primeira parte
Capítulo II - primeira parte
Capítulo II - segunda parte
Capítulo III - primeira parte
Capítulo III - segunda parte
Capítulo IV (excerto)
Capítulo VII (excerto)
Capítulo VIII (excerto)
Próximo excerto
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Capítulo IV (excerto)
Capítulo VII (excerto)
Capítulo VIII (excerto)
Acreditavam, ambos, ter enganado
o destino
Todo o
semblante do duque Alexander se tinha transformado, de choque, de íntima
agitação. Os olhos, sempre tão serenos, pareciam voltar-se para o passado e
vê-lo à sua frente, como tinha acontecido, como se acontecesse agora. Era um
segredo, que tinha mantido por mais de vinte anos, tão doloroso que
só a custo o começava a relatar. Um desgosto, o maior de todos os desgostos,
que por graves razões tinha sido forçado a guardar para si. Um segredo que Eric
conheceria porque precisava de conhecer.
Tinha havido
um amor, tinha havido uma filha. Há tantos anos, era Alexander ainda o jovem herdeiro
do ducado, tinha-se apaixonado por uma bonita serva do palácio. Um amor correspondido,
puro e sincero, que não tinha olhos para a grande distância que os separava.
Ambos sabiam que ele seria obrigado a contrair casamento entre a nobreza, mas
mesmo assim decidiram assumir aquela união que só lhes valeria censura. A
Alexander magoava muito que aos olhos do mundo a mulher que amava não passasse
de uma amante, remetida à discrição que aquela relação lhes impunha, quando por
sua vontade não seria outra a sua legítima esposa. Julgavam-se sensatos, ambos,
e aceitaram que não podia ser de outra maneira. Alexander ofereceu-lhe uma casa
na cidade, não muito longe do palácio, e jóias e fortuna e todo o conforto que
o dinheiro podia comprar, para que a falta do matrimónio nunca a entristecesse.
Embora sentissem, ambos, que nos seus corações era maior o laço que os unia do
que as restrições que os cerceavam. Durante alguns anos foram felizes, como
nunca tinham sido e não voltariam a ser. A seu tempo, a família de Alexander
combinou-lhe o casamento com outra nobre herdeira, no intuito de fortalecer a
aliança entre as duas casas. Em dias de guerra e prudência, Alexander acatou. A
sua jovem amada, sensata que era, concordou que não havia alternativa.
Planeavam ser felizes, apesar de tudo, naquela casa da cidade, longe das
imposições e da falsidade que eram obrigados a consentir. Se ao menos a duquesa
Agatha tivesse sido igualmente condescendente. Mas não era, e depressa começou
a revelar ciúmes e pouca inclinação para tolerar aquele arranjo. Alexander não
queria expor a sua amada a evitável vexame. Assim que herdou o ducado, pela
morte do pai, propôs-lhe que fosse viver para um castelo da família, longe
dali, onde seria senhora e nem sequer teria de ver passar a sua esposa legítima
ou lembrar-se de que esta existia. Triste, a princípio, porque a distância ia
impedi-los de se encontrarem tão frequentemente, a jovem preferiu guiar-se pela
inteligência, aquela inteligência que Alexander tanto lhe admirava, e admitiu
que seria a melhor solução. O amor que partilhavam era tão perfeito que nenhuma
distância importaria. Acreditavam, ambos, ter enganado o destino, e sonhavam
começar uma família, longe dali, num lar cheio de amor onde as
limitações do mundo não lhes ensombrassem a alegria.
Não aconteceu
logo, a partida, bastante adiada, porque se amavam e não se queriam separar, e
porque entretanto ela se achava grávida e Alexander desejava muito acompanhar a
chegada do seu primeiro filho. Só quando a gravidez ia já adiantada é
que a jovem resolveu que seria mais acertado mudar-se para o castelo antes do
nascimento da criança. Havia ainda tempo, para a viagem e para se instalar. Sem
pressa, ela partiu, em segredo e na calada da noite, como escolta apenas alguns
criados e guardas de confiança para que ninguém soubesse para onde iam. Embora
em tempo de guerra, Alexander não estava preocupado. Mandara guarnecer o
castelo como a uma fortaleza onde a sua amada e o seu filho ficariam a salvo.
Não tardaria muito para que a visitasse. Era apenas um curto adeus.
Acabaria por
ser a gravidez o que a atrasou. Mais cedo do que o previsto foi surpreendida
pelo trabalho de parto e teve de se socorrer da estalagem mais próxima onde deu
à luz uma menina. Prontamente um dos guardas, que viria a tornar-se um dos
homens de maior confiança do jovem duque, cavalgou noite e dia para lhe
anunciar que tinha uma filha. Foi também a última notícia que teve dela.
Assim que
voltou a poder viajar, a jovem retomou caminho, com o seu séquito, mas nunca
chegou ao destino. A versão oficial determinava que a comitiva tinha sido
atacada por salteadores que a mataram, e a todos os criados e guardas, para
roubarem as jóias preciosas que levava consigo. Não havia testemunhas do
massacre.
Ao relatar esta
parte, a voz de Alexander desvaneceu-se, abalada, como se tivesse sido ontem,
como se não se tivessem passado mais de vinte anos, e o imperador escutava-o no
silencioso respeito de quem lia naquele rosto o grande luto que fazia ainda.
O mistério
começou, prosseguiu o duque, porque estavam todos mortos menos a criança. A
menina, pura e simplesmente, tinha desaparecido. Louco de dor, abandonou tudo
para sepultar a mulher que amava, e logo de seguida pôs-se à procura da
recém-nascida, com a ajuda do seu homem leal, o único que escapara à matança
porque regressara para lhe dar a notícia. O mistério adensava-se ainda mais. As
jóias foram todas recuperadas sem dificuldade porque os ladrões as tinham
vendido por um preço irrisório e suspeito, mas da menina não havia sinal.
Durante meses, anos, Alexander esperou que lhe exigissem um resgate, mas o
pedido nunca chegou. Pensou então que havia duas hipóteses: ou sabiam que a
criança era sua e temiam demasiado a sua vingança para se atreverem a expor-se,
ou não sabiam, e ter-se-iam meramente desfeito dela. Passaram-se anos após anos
de cruel angústia, imaginando o que de pior teria acontecido à sua filha, antes
de conseguir dispor-se a aceitar que a menina estaria morta, para não sofrer
mais e em vão. Tinha já outros filhos, que a duquesa dera à luz, e a eles se
dedicou com o mesmo amor com que teria desejado amar aquela primeira menina.
Morta, de certeza, morta. Mas ainda se questionava, no segredo da sua dor, por
que razão não teriam os malfeitores posto fim à criança logo ali, junto da mãe,
e porque a teriam levado, se não para a venderem e tentarem obter algum lucro?
Seria sequer concebível que a brutos assassinos tivesse faltado a coragem de
matar uma recém-nascida? Mas admitindo essa possibilidade, por remota que parecesse,
quem poderia adivinhar que aquela bebé desprotegida era filha de um duque?
Bastaria envolverem-na em trapos sujos e alegarem que era órfã. Qualquer
família lhes pagaria meia dúzia de trocos por uma futura serva, e assim se
livravam da única prova do seu crime.
Havia ainda
uma suspeita mais sinistra com que Alexander tinha aprendido a conviver, não
obstante os seus escrúpulos em alimentar infundadas conjecturas. A mãe da sua
filha, e os acompanhantes, viajavam como gente simples e modesta para não atraírem
atenções. Ninguém sabia da sua partida, excepto se os tivessem espiado. Como é
que então os salteadores tinham escolhido precisamente aquela comitiva, e
porque não se tinham limitado a roubar? Porque se tinham visto na necessidade
de matar a todos? Porque não tinham apenas eliminado os homens, se estes
tivessem porventura oferecido demasiada resistência, e poupado as mulheres, já
que era manifesto que não tinham matado a criança, pelo menos ali? Todas essas
questões o atormentavam, embora não tivesse a mínima prova das suas suspeitas,
mas no íntimo do seu coração sempre tinha desconfiado que aquela obra terrível
tinha uma mão menos acidental, e que essa mão era a da própria duquesa.
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