Capítulo I - primeira parte
Capítulo I - segunda parte
Capítulo II - primeira parte
Capítulo II - segunda parte
Capítulo III - primeira parte
Capítulo III - segunda parte
Capítulo IV (excerto)
Capítulo VII (excerto)
Capítulo VIII (excerto)
Capítulo XII (excerto)
Talvez fosse maior a tristeza ao
ouvir os males que não conhecia ela própria.
Micenne ficou, e foi
recebida como uma amiga. Não era uma delas, não conhecia o que elas conheciam,
mas todas sabiam o que a esperava no mundo lá fora. Era já como elas, as que
tinham chegado àquela casa assustadas e em lágrimas, a quem só o tempo e a
amizade tinham tranquilizado.
À noite, no salão, Micenne
servia bebidas aos convidados e sorria timidamente como se fosse o seu dever.
Mas não o seu lugar. Reena observava, como constrangida Micenne se mantinha no
seu cantinho, e ninguém a saberia doce e amável como já todos na casa a
conheciam. Deslocada, receosa daqueles estranhos, não se aproximava. O tempo e
a amizade tinham-na tranquilizado, talvez, mas nunca era aberto o seu sorriso.
Numa manhã fria, mas
resplandecente de sol, Reena encontrou-a no jardim, sozinha, de olhar pousado
nas flores de inverno que naquele clima ameno prosperavam como se fosse
primavera. Teria ela encontrado também o conforto das flores? O sol rosava-lhe
as faces, já menos pálidas, e brilhava-lhe nos cabelos louros, meio soltos meio
entrançados em complicados padrões, como se um manto de ouro a cobrisse.
Embrulhava-a um simples manto de lã, oferta de uma das raparigas, e nem por
isso a sua beleza era menos majestosa. Reena aproximou-se, para lhe perguntar
sobre as flores, e viu que chorava. Sem um som, sem um lamento, as lágrimas
caíam-lhe pelo rosto, uma atrás da outra, pesadas e contínuas.
– Não queria que visses. –
confessou Micenne, ao perceber a sua presença, e apertou mais o xaile à volta
dos ombros. – Disseste-me para ter esperança, e eu quero ter esperança, mas
este mundo… É um lugar tão amargo, este mundo, para tantos de nós. Às vezes
preferia não ter nascido, ou que a morte me levasse, para não ter de viver
neste mundo.
O desespero não largava
aquele coração, já lhe tinha fincado garras profundas e afiadas, e era tão mais
grave do que Reena tinha pensado. Os lábios tremeram-lhe, na falta de palavras,
naquele momento em que se embrenhou naqueles olhos tão claros, e tão cheios de
escuridão, e se lembrou do alívio da morte. E como era tentador, o alívio da
morte, onde não haveria mais sofrimento, nem lágrimas, nem dor.
– Eu perdi a esperança, em
tempos. – admitiu, e os olhos brilharam-lhe também. Estendeu a mão à dela, para
a confortar, ou para partilhar um segredo. – Mas se tivesse feito o que pensei
fazer não estaria aqui agora para ajudar outras como eu. Se soubesses como a
minha vida era infeliz, e como mudou tanto. E se mudou para mim, mais
facilmente mudará para ti.
A Micenne apenas, Reena
contou o suficiente. Havia suficiente que contar sem contar muito. Micenne
ouvia, em confidência, e o coração arrepiava-se-lhe. Não tinha julgado que
pudesse haver pior, e já não se sentia tão abandonada pela sorte. Mas não era
maior, a esperança, talvez fosse maior a tristeza ao ouvir os males que não
conhecia ela própria.
Outros excertos
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